quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

CONTO PREMIADO EM CONCURSO

O conto "Gênesis", paródia feita por Eduardo Ferreira Fontana do poema bíblico "Gênesis", primero texto estudado nesta oficina, foi premiado em concurso. O concurso foi realizado pelo Departamento de Letras da Faculdades Santa Cruz, de Curitiba. Eduardo ganhou, como prêmio, um MP4. Segundo ele, agora vai poder ouvir suas canções prediletas em MP3.

segunda-feira, 25 de maio de 2009

UM CONTO PARA LARISSA

O cavalo Tordilho corria no campo, alegre e feliz, pois era domingo. Ele não estava com os arreios atrelados. Isso significa dia todo sem puxar carroça ou sem carregar ninguém nas costas. O sol recém-nascido brilhava como ouro no céu, até parecia a colcha de seda azul que a senhora havia lavado e estendido no varal um dia antes. Como brilhava o azul da colcha exposta ao sol.
Tordilho vendo o azul da colcha espalhado no céu ficou feliz. Galopava, troteava, marchava, num vai pra lá, vem pra cá, sem parar! De repente para assustado. Para e pensa com as pequenas peças de arreios que estão na cabeça:
“Tem alguma coisa no céu. É uma estrela! Será uma estrela? De dia? Que estrela mais louca! Olhem quantas pontas tem aquela estrela.” Ficou de queixo caído com a visão de estrela de dia. Mas continuou a passear pela coxilha. De vez em quando espiava o céu para ver se a estrela continuava lá, dependurada, bem baixo, no céu azul de colcha de seda.
Os pássaros cantam alegres! Voam de galho em galho, nos pinheiros, nos butiás, nas macieiras. Muitos, muitos pássaros! O cavalo acha que alguma coisa está errado com os pássaros: sacode as orelhas, uma pra frente outra pra trás. Para, fica a observar.
Tenta chegar a uma conclusão:“Passarinho com asas de nuvem? Onde já se viu? Só porque sou um cavalo de trabalho? Só porque é domingo estou vendo coisas?” Tordilho parou de galopar, ficou em silêncio debaixo do pé de prata. Só olhando., olhando para o céu.
Um avião que vem vindo lá das bandas de Buenos Aires chama a atenção do cavalo e dos passarinhos, com os olhos fixos na estrela que parece estar pulando de raiva. Tordilho e os passarinhos de asas de nuvem ficam espantados com o que está acontecendo no céu:
A estrela está braba porque o avião passou no caminho dos fios das raias com as quais ela estava brincando. Raias lindas! Coloridas, com rabiolas cheias de lacinhos. E as rabiolas estão caindo lá do céu.O avião continua voando, voando, indo lá pros lados de Curitiba. As raias presas nas asas do avião vão embora com ele. A estrela de tão triste ficou com as pontas tortas, fora de lugar, e está desaparecendo devagarinho, devagarinho. Está indo embora tão devagar que Tordilho quase dorme olhando pra ela. A estrela acaba sumindo e o céu fica só que um azul de seda novamente.
O cavalo agora descansado e tranqüilo vai à procura de moitas frescas bem verdinhas para fazer um lanchinho gostoso, natural e digno de um cavalo de trabalho, em plena folga de domingo.
Escolheu uma touceira de capim fininho e foi chegando à moita, já sentindo o sabor do capinzinho fresco e macio. Quando um dos passarinhos de asas que parecem nuvens sai desesperado da moita Tordilho derruba o queixo novamente.
Na moita escolhida havia um ninho dos passarinhos estranhos. Não era um ovo nem um passarinho que dormia na moita. Era um anjinho, com rodela na cabeça e tudo! Os pássaros, que eram três, se colocaram entre o anjinho e o cavalo para protegê-lo contra Tordilho.
O cavalo que não fazia mal a ninguém muito menos a um anjinho ficou triste. Baixou as orelhas em sinal de servidão como é acostumado a fazer com seu dono quando ele vem com os arreios para atrelá-lo à carroça, ou para levar seu dono em seus caminhos de fazendeiro. Sempre dócil resignado e paciente.
Enquanto isso o anjinho foi se espreguiçando, espreguiçando. Se esticou todinho, se pôs em pé, olhou para Tordilho, procurou por alguma coisa que estava no chão. Se abaixou e pegou um arco com uma flecha dourada que mostrou para o cavalo. Tordilho relinchou assustado:”É uma flecha!” Pensou: ”Que faz um anjinho com uma flecha?”
Mas Tordilho é um cavalo esperto. Lembrou de um calendário pendurado no paredão do paiol, com a figura de um anjinho sapeca que se chama Cupido. E todo mundo sabe que esse tal de Cupido é responsável por acertar os corações com as flechas do amor e das paixões.
Agora é que Tordilho ficou mais perplexo! “Que é que o Cupido estaria fazendo ali domingo à tarde? Sem viva alma humana naquele pasto?” Cupido, muito inteligente, compreendeu a aflição do cavalo. Tentou explicar tudo:
- Cavalo Tordilho, é esse seu nome, não é ? Como vês todos estamos aqui neste lugar de completa paz. Por enquanto, diga-se de passagem, pois logo os homens vão transformá-lo em pastagens. Todos somos iguais às crianças da terra. E como não havia ninguém aqui, nem humano nem celeste para brigar com a gente, resolvemos parar para brincar um pouco. Brinquei tanto com aquela estrelinha danadinha e meus amigos passarinhos de Júpiter que resolvi dormir um pouquinho. Aí você apareceu. Quer brincar conosco?
Ao que Tordilho respondeu:
- Epa! Sou muito grande! Vou acabar machucando vocês! Me deixem ficar aqui perto vendo vocês brincarem?
- Tá bom. Se quiser, pode ficar aqui , concordou o Cupido.
Tordilho saboreou a moitinha escolhida e se espalhou sobre a grama fresca debaixo do pé de prata. Passarinhos pra cá, anjinho pra lá. Algazarra no pé de prata, no pasto, na sanga. Afinal, eram crianças brincando! O tempo passou, O cavalo acabou dormindo. E o anjinho e os passarinhos foram embora.
Ao anoitecer, um peão da fazenda foi buscar Tordilho para colocá-lo na baia e deixar tudo pronto para a segunda-feira cedo.
Tordilho ficou triste quando percebeu que tudo tinha sido um sonho de cavalo velho e cansado da lida. Resignado, de cabeça baixa, foi obedecendo ao peão que puxava a correia do cabresto com força.
Passou pelo varal e lembrou da cor da colcha de seda azul de céu. Olhou outra vez e viu no varal um daqueles passarinhos deixando uma pena de nuvem presa num prendedor de roupas, fazendo sinal para que Tordilho não esquecesse deles. O cavalo fez sinal de resposta pedindo ao passarinho que prendesse a pena na sua cabeça, nas tiras dos arreios.
Quando entrou no paiol a caminho da baia passou pela parede onde está dependurado o calendário e ficou feliz. A semelhança da figura com o cupido da coxilha era tanta que não teve dúvidas que estiveram juntos na tarde de domingo.

Stela Siebeneichler

domingo, 24 de maio de 2009

FESTA FIM DE ANO OFICINAS FCC



Evelyn, aluna de Jane, à frente e professora e aluno ao fundo



Edu e eu



Stela, Mylle, Evelyn & Thabata

A AMIZADE, O CAMINHO, O LEQUE



Sentada na escada da varanda, Yumi aguardava a chegada da mãe que fora para a venda ajudar a seu pai na organização dos mantimentos recém chegados da ultima encomenda. Yumi , tranqüila, pega sua flauta e toca uma música que fazia tempo não executava . De vez em quando parava , ficava em silêncio , tentando ouvir algum ruído diferente que viesse junto ao farfalhar das folhas do bambuzal. Tinha a esperança de que a raposa Lin, viesse para uma visita, pois fazia tempo que o filhote de raposa não aparecia para contar como estava bonito o bambuzinho, que já não era mais um brotinho, mas um jovem e esbelto bambu. Ou para contar como está indo em seu novo estágio de treinamento para as transformações a que todas as raposas devem se submeter até estarem prontas para qualquer transformação necessária em suas vidas mágicas.
Yumi se sentindo forte e corajosa resolveu se aventurar pela estradinha que leva para o lado do bambuzal. Com o vento soprando suavemente, batendo com a força de uma brisa leve com cheiro de flores de pessegueiro e folhas de bambu no rosto da menina, ela avança despreocupada rumo ao bambuzal. A estradinha seguindo seu curso que acompamha a plantação de pêssegos desvia do bambuzal afastando Yumi de casa e também do seu objetivo que é chegar perto do bambuzal. E se tiver sorte, encontrar Lin e conhecer o jovem bambuzinho, outras raposas, ouvir de perto os pássaros cantores , dos quais Lin já falou tanto.
Yumi segue segurando forte em sua mão a flauta, como se ela conhecesse o caminho de tanto transformar em música o sopro da Yumi na direção do bambuzal. De repente o caminho se abre em dois, um seguindo seu curso normal. O outro abrindo conforme a vontade de Yumi e seus passos dirigidos pelo vento e o cheiro de bambu, agora só de bambu pois a plantação de pêssegos já ficou para trás.
O farfalhar das folhas penetra forte nos ouvidos da menina. O bambuzal é maior que a imaginação de Yumi. Quanto mais ela anda mais se embrenha em seu interior. Sentindo insegurança, está aflita. Seus pés pisam a folhagem áspera e cortante, não sentem mais o caminho. Em desequilíbrio cai. Chora . Chama por Lin.
- Lin! Você está aqui? Estou perdida! Tive vontade de conhecer o bambuzal mas perdi a direção e também o caminho. Como voltarei para casa? A raposa Lin atende de pronto ao pedido de ajuda da amiga Yumi.
- Estou aqui pertinho de você. Vem comigo. Vou te mostrar meu amigo bambu!
Lin oferece a mão de menino para a garota e com ela segue pelos carreiros dos animais que moram ou transitam no bambuzal.
- Que foi que aconteceu para você sair assim sozinha de casa?
- Me senti sozinha e sempre tive vontade de saber como é um bambuzal... Você sabe que para mim saber como é alguma coisa , preciso tocar, sentir. E além disso já estou bem crescidinha para fazer alguma coisa que eu queira. Cheguei aqui, mas agora não sei voltar para casa. Isso não preocupou Yumi por muito tempo. Lin prometeu que a ajudaria a voltar para casa. Lin chegou com a menina bem pertinho do amigo bambuzinho.
-Yumi, coloque a mão aqui no toco do bambuzinho, sinta como ele está grande e forte! Ele também está muito alto!
-Amiga, toque uma música na tua flauta - pede o bambuzinho. - Todos aqui ouvem a tua música com muito gosto, até os pássaros param de cantar para te ouvir.
Yumi toca a música que ela mais gosta e logo vão chegando mais raposas para ouvi-la. A raposa mãe de Lin está entre elas. O bambuzal está em festa! A mãe de Lin fica espantada com a perfeita transformação do filhote em menino.
- Lin , você conseguiu! Não tem nenhum sinal de raposa em você! Não ficou aparecendo o rabinho , nem pedacinho de orelha! Essa menina é quem te ajudou a se concentrar para se transformar assim tão perfeitamente. Tenho um presente para ela!
E foi tirando de algum lugar de seu corpo mágico , um bonito leque feito de bambu lascado e seda colorida. Colocou-o nas mãos de Yumi com recomendações de cuidados e prometeu que ela ainda seria uma pessoa muito feliz e a beleza seria constante em sua vida:
- Menina, este leque é mágico! Conforme você for abanando seu rosto com ele irá apagando as sombras que ocultam a luz da tua vida.
Yumi , feliz, agradece e despede de seus novos amigos com mais notas musicais. Depois guarda a flauta no bolso e procura a mão de Lin para que ele lhe mostre o caminho de volta.
- Você não precisa de minha mão, mas de teus pés no caminho. Sinta como você esta andando com segurança! Abane o leque na frente de teus olhos. O leque vai te mostrar a luz e eu estou transformado em caminho para te conduzir até a tua casa , como te trouxe desde a curva dos pessegueiros.
O farfalhar do bambuzal com canto de pássaros virou música de despedida para Yumi que foi caminhando bem devagar até chegar em casa já bem cansada e ficar por mais algum tempo sentada na varanda esperando que sua mãe volte da venda, tocando em sua flauta músicas bem alegres em agradecimento à raposa Lin por tê-la conduzido em sua viagem até o bambuzal e depois se tranformar em caminho novamente até que ela chegasse em casa.
Guarda a flauta num dos bolsos e tira o leque do outro bolso balança-o em frente aos olhos demoradamente O ar refrescante que sai do movimento do leque acaricia seu rosto e penetra em seus olhos.
O sol se põe atrás do bambuzal. Yumi vê na curva dos pessegueiros a mãe chegando.

Stela Siebeneichler (sequência imaginária de "Lin e o outro lado do bambuzal", fábula infanto-juvenil criada por Lúcia Hiratsuka)

MICHIKO

Enquanto colhia café, Michiko observava suas mãos calejadas e mal pagas. Já estava muito longe do sonho primeiro, da riqueza fácil que encontraria no Brasil. Seus pais, já velhos e cansados, mal conseguiam trabalhar metade do dia. Dos seus quatro irmãos, só restavam dois: Yuichi e Keiko. Os dias passavam e ela nunca encontrava uma saída para tal destino. O quanto sonhara em voltar ao Japão, ou ao menos dar a chance de seus pais voltarem. Perguntava-se sobre os tios que vira duas ou três vezes na vida, estariam vivos?

- Michiko! Michiko! Onde está?
- O que aconteceu, Keiko?
- Nosso pai... Nosso pai está morrendo!
- Morrendo?

Saíram ambas correndo numa espantosa velocidade. O coração de Michiko saltava no peito, dezenas de pensamentos inundavam sua mente, o que restava de todos os sonhos partilhados estava prestes a transformar-se em pó.

Lembrou-se do dia em que seu pai, assustado, carregou-lhe no colo após ter machucado a mão esquerda. Michiko não tinha mais que seis anos, sua família havia acabado de desembarcar no Brasil e ninguém sabia ao certo o que estava para lhes acontecer.

- Sai daí Michiko!

O barulho foi aumentando, aumentando. A mulher ficou presa no chão. Sua mente esvaziou-se, nada mais ouvia nem via. Chegara ao ponto final do sonho de voltar ao Japão. Voltar. Voltar...

Abriu os olhos lentamente, sua vista estava embaçada mas aos poucos voltava a definir os objetos. Quando estava prestes a levantar a cabeça ficou paralisada de susto: percebera, que se encontrava na antiga casa no Japão. Encantou-se ao ver os móveis, o lar simples no qual residira nos primeiros anos de vida. Por mais que de nada daquilo recordasse com clareza, mergulhou nas mais profundas e tenras memórias jamais jogadas fora.

- Ainda! Veja, ela acordou!
- Não grite assim Keiko!

Michiko sentiu os olhos marejando. Suas duas irmãs, Ainda e Keiko, ainda crianças e ao alcance das mãos. Ainda era a mais velha e falecera por causa de uma forte gripe que a derrubara por semanas. Era ainda muito jovem, deixara o marido e a filha para trás.

- Você não fala? Será que está passando mal?
- Está tudo bem agora.
- De onde veio? Nunca te vi aqui por perto.
- Não faça tantas perguntas, Keiko! Deixe-a descansar.
- Já me sinto melhor, só me incomoda o fato de não saber ao certo como cheguei até aqui.
- Descanse um pouco, quem sabe você se lembre. Vou cozinhar algo para comermos.
- Onde estão seus pais?
- Trabalhando, acho. Nosso irmão Yuichi deve estar com o papai, já Michiko...
- A Michiko não consegue largar da mamãe... Ela bem que podia ficar aqui conosco.
- Michiko é nossa irmã mais nova. Chora o dia todo sem a mamãe aqui.

A mulher sorria a cada detalhe que s irmãs relembravam. Memórias de um passado sagrado que os duros dias de trabalho nunca deram tempo de revirar. Michiko cozinhou, cantou, conversou, brincou e riu com Ainda e Keiko, mas em nenhum momento contou quem era: temia quebrar o encanto.

Os pais chegam, bem como Yuichi e a pequena Michiko. Ao defrontar-se tão de repente com sua própria pessoa de apenas quatro anos de idade, deu-se conta de que havia voltado no tempo. Em nenhum outro momento tal pensamento havia ficado tão claro em sua mente.

Ficou um tempo em silêncio, sequer respondia as perguntas que a família fazia. Estava encantada com a beleza daquele casal ainda jovem, seus queridos pais. Yuichi, mais velho que Keiko, já tinha um rosto cansado, mas também bastante esperto.

- Ela estava conversando conosco tão animadamente até agora pouco!
- Que estranho... Será que ela está passando mal?
- Ela disse o nome pelo menos?
- Fu... Meu nome é Michiko.
- Mi... chiko? Qual o seu sobrenome?
- Fukuda... Michiko.

Todos a olharam longamente. A pequena Michiko, depois de um tempo caminhou até a mulher e a abraçou com toda a força que possuía.

- Seu nome é igual ao meu!
- É, isso mesmo. Nossos nomes são iguais.
- Acho que sim, mas não sei dizer como consegui chegar aqui.
- Com quantos anos está agora?
- Trinta e cinco. Estamos todos até hoje morando no Brasil.
- Não conseguimos juntar dinheiro algum?
- Não. Nós todos continuamos trabalhando como loucos para que ao menos os meus filhos e sobrinhos possam estudar tranqüilos.
- Mas então é melhor não sairmos do Japão.
- Não temos mais saída, já está tudo acertado. Nossas últimas economias já foram gastas com a viagem.
- Isso quer dizer que... São nossos últimos dias no Japão sem esperança alguma de voltar?
- Pelo menos não nos próximos trinta anos.
- Michiko, você sabe como voltar para o seu tempo?
- Não. Tudo que me lembro é que estava prestes a morrer quando fui trazida para cá.
- Se não descobrir como voltar até a próxima semana, não quer viajar conosco até o Brasil? Não posso te deixar para trás, afinal é minha filha.

Michiko não conseguiu dormir, ficava pensando se gostaria de voltar ao seu tempo, já que estava vivendo grande felicidade ao lado dos pais e seu passado. A todo instante cheiros, sabores e objetos refrescavam mais suas lembranças, fazendo com que desejasse uma pausa no tempo. Também pensava nas pessoas que havia deixado para trás no Brasil, os três filhos, os irmãos e pais. Como estariam agora? Será que ela morreu e o espírito foi transportado para o passado como forma de atender ao seu último pedido? Atormentada pelos pensamentos, Michiko decide levantar e ir até um templo.

- Finalmente você chegou Michiko.
- Como sabe meu nome?
- Não é qualquer um que consegue realizar tal feito.
- Então já sabe o que me aconteceu.
- Quando acordei essa manhã sabia que viria. O mais interessante é que parou exatamente aonde desejava. Isso é fantástico.
- Como cheguei aqui?
- Não faça tantas perguntas, primeiro olhe o que há em seus bolsos.
- São... Pepitas de ouro!
- E o que você carregava antes consigo?
- Era café!
- Todo o café que você trouxe na sua viagem transformou-se em ouro.
- A bolsa...
- Você saiu tão apressada para ver seu pai que nem deixou a bolsa na qual colocava os grãos de café recém colhidos. Há uma fortuna naquela casa agora, quantia suficiente para que sua família não precise mais voltar ao Brasil.
- Está tudo resolvido então!
- Está? Já perguntou o que aconteceu no seu tempo quando você veio até aqui?
- O que aconteceu?
- No instante em que você saltou no tempo, tudo ficou parado. Está até agora assim, só aguardando a sua decisão.
- Então existe uma maneira de voltar?
- Não exatamente. Tudo o que sei é que tem que decidir se dará ou não todo o ouro que trouxe para a sua família. Infelizmente não poderei dizer ao certo o que acontecerá. Pode ser que, mesmo que consiga mudar, toda a história da sua família tenha mudado, uma vez que você atravessou a barreira do tempo. O único fato no qual você pode interferir diretamente é na ida ou não da sua família ao Brasil.

A mulher decidiu não contar para ninguém sobre a conversa com o monge nem sobre o ouro que carregava consigo. Apesar de questionada pelos familiares tentava desconversar e aproveitava para contar qualquer coisa maravilhosa sobre a terra distante. Michiko passou seis dias maravilhosos ao lado das pessoas que mais amava no mundo e aos poucos foi esquecendo a vida no Brasil. Foi apagando filhos, marido, tristeza e alegrias de sua memória, restando apenas o essencial em sua alma: o desejo de fazer com que sua família fosse feliz. A decisão já estava tomada. Contou sobre o ouro que tinha consigo e pediu para que não viajassem ao Brasil. Chorando muito, Michiko se despediu de sua família e dirigiu-se ao templo.

- Sabe bem o que está fazendo?
- Sei. Nada será como antes mesmo que eu queira, então é melhor que fiquemos todos aqui no Japão.
- Sua vida inteira mudará, não tem medo do que pode acontecer?
- Não sinto mais medo de nada. Só quero a felicidade para a minha família.
- Como pode afirmar com tanta certeza de que ficar no Japão será a garantia da felicidade de todos vocês?
- Todos sofremos muito naquele lugar, isso ficou claro para mim. Se posso mudar o curso do destino, prefiro que fiquemos aqui.
- Acontecerão coisas que você não poderá controlar. A única chance que você tem de mudar as coisas é agora.
- Tem certeza de que é minha única chance?
- Não, mas você deve se portar como se fosse. Michiko, as pessoas não são marionetes que você pode controlar como quiser.
- Se eu saltei o tempo uma vez, certamente conseguirei de novo.
- Mesmo que você mude o curso das coisas, ainda sim existe algo destinado para cada um de nós e não há como escapar disso. A partir do momento que você ultrapassar os portões desse templo, irá saltar novamente para o seu tempo. Não sou capaz de precisar onde você estará, mas nunca se esqueça que será um caminho sem volta.

Convicta da decisão, Michiko caminha lentamente em direção ao portão. Seu coração estava embriagado pela saudade da família e lembranças confusas. Ao olhar para fora, começou a notar que a paisagem ia mudando aos poucos e teve um leve receio de continuar a caminhada. Quando ameaçou diminuir a velocidade dos passos foi sugada para fora do templo com tal força que desmaiou.

Ao acordar notou que estava rodeada de lindas mulheres, todas maquiadas e com cabelos arrumados. Levantou apressadamente, correu até um espelho e percebeu que o rosto estava pintado como o de uma gueixa. Lembrou que, ainda pequena, fora vendida pelos pais em troca de uma bolsa cheia de ouro.

Milena Silva (proposta de criação de conto fantástico)

DEPOIS DAS 1001 NOITES, MAIS UMA

Mogiana, dada por esposa ao sobrinho de Ali Babá, tornou-se infeliz e desperdiça seu tempo com quimeras. O filho que teve é a sua única alegria, Seu marido , o jovem Assan Babá, é taciturno e também infeliz. Passa seu tempo enfiado nas suas lojas cuidando das riquezas da família, não tem tempo para agradar Morgiana e nem acarinhar o pequeno Hakin.

Ali Babá, sempre esteve a par das tristezas da bela Morgiana, e sabe bem porque ela é triste, Assan tem o amor da bela Mogiana, amor de mãe para filho, pois foi ela quem o amamentou, por isso jamais poderiam viver uma paixão ou mesmo um amor conjugal que os realizasse. Ali Babá, certo dia encontrando a ex escrava e executora dos quarenta ladrões, a passear com Hakin , no jardim de tâmaras, encheu-se de compaixão pela falta de brilho no olhar de Mogiana e perguntou a ela:

- Mogiana , bela mulher e insubstituível amiga e protetora , que posso fazer para que o antigo brilho dos seus olhos reapareça vivas como outrora? Ao que ela respondeu:

- Ali meu antigo amo! Só a liberdade me será favorável pois o amor que dedico a Assan é de mãe. Como pode me desejar! Só Alá pode me livrar desse infortúnio. Ali Babá procura descobrir alguma maneira de alegrar a amiga pois jamais esqueceu as ações da escrava nos acontecimentos da tentativa de assassinato pelo chefe dos ladrões. Um dia acordou cedo e procurou Assan e pediu a ele permição para levar Mogiana e Hakim para um passeio que duraria o dia todo. Assan consentiu. Mogiana fica muito feliz com a idéia e deixa tudo preparado para o dia seguinte. O pequeno Hakin, reclamou de sair para passear sem a presença do pai. Dirigiram-se para o antigo esconderijo dos ladrões. Mogiana, já conhecia as palavras mágicas, pois Ali Babá já a havia levado até o tesouro várias vezes. Ali Babá ordena!

- ABRE-TE SÉZAMO!

E adentram os três. Sempre que estivera no rochedo fora com muita pressa, pois sempre existiu o receio que alguém pudesse estar por perto e descobrir o segredo das palavras mágicas. Mas desta vez Ali babá , que já esta em idade de descansar das preocupações da vida, deixa Mogiana muito admirada e apreensiva com as palavras que lhe dirige quase que em silêncio para não despertar o interesse de Hakin, que apesar de ainda ser pequenino, está estupefacto com as riquezas que tem ante seus olhos.

- Mogiana, Doravante serás a depositária de minha confiança, serás a dona das palavras mágicas! Serás só tu quem poderás proferi-las e adentrar ao interior do rochedo. Só tu poderás colocar as mãos e retirar daqui qualquer objeto, ou qualquer valor. Pois melhor que ninguém sabes julgar as situações e os valores das mesmas . Mogiana aceita a responsabilidade, porém, detém seu olhar sobre Hakin e preocupa-se com seu futuro. Dirige-se a Ali Babá e implora:

- Pela confiança que tenho em ti Ali Babá, entrego-te o futuro de Hakin, visto que Assan Babá ignora, para seu próprio bem e de Hakin, tanto os tesouros , quanto os perigos que nos cercam. Depois de todas as decisões e considerações tomadas, Mogiana finalmente realiza um antigo desejo: examinar tudo aquilo que se encontra no interior do rochedo. Ali Babá fica embevecido ante a curiosidade de Mogiana. Dentro de um cântaro antigo ela encontra um pergaminho ainda mais antigo, uma flauta e um jarrinho que deveria conter algum liquido que deixou vestígios, pois evaporou. Num pequeno baú, colares de pedras negras e de madeiras, de aparência nada valiosa, porque então ali? Sacos de couro de crocodilos com pérolas perfeitas, garrafas com licores desconhecidos, óleos perfumados, moedas e vinhos de todos os lugares do mundo conhecido , com a permissão de Alá, trajes estranhos, riquíssimas porcelanas decoradas a ouro,belíssimas jóias, adagas , lâmpadas, arcos com flechas envenenadas de todos os tipos e formatos, tecidos , plumas , e uma infinidade de vasos e cântaros fechados de maneira a conservar melhor seus conteúdos ... Mogiana , encantada com tanto conhecimento e poder que terá em suas mãos a partir desse dia , e já cansada , dirige-se a o amigo:

- Ali Babá ! Já se faz tarde! Devemos voltar à casa!

- Você é quem manda Mogiana! Ela apressa-se em sair do rochedo para examinar as redondezas e certificar-se de que não há viva alma por ali, pois agora a segurança do rochedo esta sob sua responsabilidade. Ali e Hakin , saem e Mogiana ordena:

- FECHA-TE SÉZAMO!

E tudo volta a ser como era antes das palavras mágicas. Naquela noite Mogiana tem idéias que a deixaram radiante! No dia seguinte começa a pô-las em prática. Vai em visita às lojas de seus amigos, convida as famílias de boa reputação de toda a cidade e das cidades vizinhas para uma grande festa! Quando chega o dia da festa explica para Assam seus planos.

- Querido Assan! Tenho para ti grande carinho e afeição, sei que o mesmo tu me dedicas... Mas sei também que nem tu , nem eu somos felizes... Tu és um homem bom, justo e muito rico, mereces ter muitas esposas e uma grande prole Essa festa que organizei para nossos amigos é unicamente para que conheças muitas moças belas e de boa índole. E assim possas encontrar algumas mulheres interessantes que possam te agradar e tomá-las por esposas! Assan, concordou, desde que Mogiana sempre ficasse a seu lado. Ao que ela lhe respondeu:

- Já não sou uma mulher tão jovem, sempre trabalhei muito! Tenho-te um grande apresso, pois és um homem justo. Mas quero que compreendas meu desejo de voltar a viver livre! E ainda mais um pedido: Hakin deve ser , enquanto possível, protegido por Ali Babá que é um sábio e tem muitos ensinamentos e também tempo para passá-los ao nosso querido Hakin. Te prometo que muito virei visitá-los e levar Hakin para conhecer meu mundo! Assan concede a liberdade a Mogiana, que o abençoa com desejos de que Assan tenha muitos filhos e lhes ensine a justiça , a honestidade e a prosperidade.

Ali Babá vê enfim o olhar da bela e esperta Mogiana brilhar novamente!

II Capítulo

Na sua tarefa de conhecer o conteúdo verdadeiro do interior do rochedo Manara , ‘ passa seu tempo a vasculhar cada pote, saco ou baú que se encontra no interior do rochedo. Tenta decifrar os segredos de cada peça ali depositada e agora sob sua guarda. O que a atormenta muito , pois sabe que ali esta o fruto de muitas vidas ceifadas pela cobiça e violência de homens desprovidos de qualquer piedade ou compaixão por seus semelhantes.

Ali Babá , respira aliviado e passa a vida mais tranqüilo em sua casa na companhia de suas esposas e de Hakin que é muito curioso.

Manara, novo nome de Mogiana,tornou-se ausente e ter noticias dela só através de Ali Babá, anda tão ocupada com tanta novidade, que nada a tira do rochedo; Encontrou cadáveres em grandes potes de cerâmica ossos de vários tamanhos e idades guardados em vasos ocultos sob pilhas de sacos de couro de crocodilo num outro lado encontrou uma arpa enorme um cajado de madeira muito dura e antiga, uma cítara com inscrições que a fizeram suspeitar pertencer ao rei Salomão. Também tesouros e a coroa da rainha de Sabá, vasos egípcios e gregos, pergaminhos com planos de batalhas pertencentes ao grande Alexandre da Pérsia. Tapetes mágicos em todo canto, tecidos de tramas estranhas e estampas maravilhosas, sedas lãns. Baús cheios de espadas e adagas de vários tipos e tamanhos forjadas com metais estranhos e ricamente guarnecidas com ouro ou prata e pedras preciosas. Peles , arreios para camelos e cavalos ... Muito tempo levará Manara para conhecer todos os artigos que estão no interior do rochedo. Mas tem tido bastante atenção para com sacos de pele, que estão empilhados num dos nichos, como que cuidados com especial atenção; são sementes, bem embaladas e colocadas em lugar especifico para que se conservem por muito tempo. Manara chega a uma conclusão: Não é dela a responsabilidade de dar um fim àquele tesouro imenso, apenas de velar para que não seja usurpado por ambição e avareza. Afinal, se estão ali aqueles objetos , de alguma maneira estão protegidos, e se estivessem nas mãos de pessoas, mesmo que seus proprietários legítimos ainda estariam sendo motivo de grande ganância e cobiça, causando mais mortes pelo longo do tempo. Hakin sempre esta presente em seus pensamentos e o temor a assalta quando lembra que ele , mesmo sendo uma criança esteve dentro do rochedo.

Em outro canto encontrou artigos femeninos! Véus, tiaras, braceletes, mais jóias , tapetes aparadores com bandejas cheias de passas, tâmaras e figos secos, como que servindo um banquete sensual, sobre um grande e suntuoso tapete um naguilé real preparado para uso com os melhores perfumes . Almofadas, cortinas e muitos véus. Véus normalmente usados pelas odaliscas nas danças do ventre ou dos sete véus, penas, maravilhosas penas douradas, enfiadas nos trajes mais bonitos que ali se achavam espalhados pelo chão. Manara , jamais imaginara que pudesse existir algum pássaro com semelhantes penas e de tão grande porte, como sugeriam as penas. Deu-se ao prazer de ornamentar-se com o mais belo traje ali existente, lentamente foi colocando sobre seu corpo, peça por peça, véu por véu, pulseiras, tornozeleiras , colares, perfumes, anéis... Pés descalços , ensaia alguns passos de dança, senta-se sobre uma enorme almofada e começa a trançar seus longos cabelos. Descobre entre os véus espalhados pelo chão, um pequenino véu de cobrir o rosto. Examina-o com bastante calma, seus olhos brilham ainda mais quando percebe a estampa de um grande e magnífico pássaro, bordada a fios de ouro, com muita delicadeza , perfeição e detalhes dando a idéia de um ser mágico e poderoso! Imediatamente, Manara, associa o pássaro às penas douradas ali espalhadas acreditando que ele também faz parte dos tesouros do rochedo. Coloca o pequeno véu sobre seu rosto. Sente uma leve brisa que vai aumentando e rapidamente torna-se um vento poderoso e tudo começa a soltar a poeira acumulada pelo passar do tempo. Manara, silenciosa e possuída de medo, oculta-se num canto e vê o grande pássaro pousar junto dela com pose de submição. A esperta mulher entende a mensagem do pássaro . Aprocima-se dele com carinho e respeito. Agara-se ao pescoço da ave e monta sobre seu potente dorso, sua longa trança mistura-se às penas da ave. Quando sente-se segura e confortável aperta suas pernas sob as asas da ave que levanta súbito vôo em direção às paredes da rocha.

--- ABRE-TE SÉZAMO! Grita Manara assustada. E saem ganhando o céu noturno! Nessa noite os céus do Oriente receberam a figura mais bela e apaixonante que Alá permite aos homens vislunbrarem antes de enlouquecerem de paixão pela mulher que voa pelos céus !

Sherazade nesse instante demonstra grande alegria ! A imagem de Manara voando livre nos céus do Oriente, mais bela do que nunca, parece sair de seu próprio desejo.

O Emir emociona-se com tamanha imaginação e declara Sherazade, “Rainha”. Mesmo porque ela já esta na sua segunda gestação. Sendo que na primeira nasceu a linda e graciosa Yasmim! Que cresce cheia de beleza e sabedoria!

Stela Siebeneichler (sequência imaginária do conto "Ali Baba e os quarenta ladrões", no estudo do livro "As Mil e Uma Noites")

SABEDORIA

Se eu pudesse escrever
O perfume das flores,
O cheiro da terra fresca
Remexida no quintal
Terra nova de composteira.

Se eu pudesse escrever
A energia vital
Da terra molhada de chuva
Carregada de histórias
De flores, galhos, folhas, frutos.
De sangue , carne , ossos...
Que cumpriram seus ciclos
E dormem no húmus,
No cheiro da terra,
“Garota tímida”,
Que carrega em si a natureza.

Se eu pudesse escrever
O verde, o ocre, o olor, o sabor
Que essa terra virgem contém,
Seria , quem sabe,
Um tantinho sábia, para saber que
Vida eterna, é essa, que se encontra
Sempre jovem , na terra.

Stela Siebeneichler